Liberdade e censura
A liberdade é aquele dom interior que nos permite
ser sem constrangimento aquilo que realmente somos! A primeira sede da
liberdade é o interior do homem: a liberdade propriamente dita, a liberdade por
excelência, está dentro de nós.
Uma parte das limitações à verdadeira liberdade reside nos preconceitos, que constituem um emaranhado impuro de liames que abafa
a espontaneidade.
As primeiras e mais graves limitações da liberdade
são as que se instalam no íntimo do próprio ser humano. Os vícios, os defeitos
de formação pessoal, os erros e os preconceitos impedem aquela clareza de
horizontes que devia existir no coração do homem, quando está para fazer as
opções e tomar as decisões que materializam a sua liberdade.
Infelizmente, o homem, embora tão digno,
apresenta-se também como um ser extremamente frágil, de tal modo que muitos
factores de ordem externa acabam por condicionar o seu mundo interior.
Se as sociedades antigas eram propícias à
radicalização dos preconceitos, no mundo moderno assistimos com insistência ao
exercício dos mais variados processos orientados no sentido de condicionar
psicologicamente os indivíduos e as comunidades, com as ditas lavagens de
cérebro, as campanhas publicitárias, a manipulação das multidões.
Felizmente, ainda há muitas personalidades fortes,
animadas por inteligências esclarecidas, que conseguem manter-se independentes
na sua capacidade interior de julgarem e disporem de si mesmos. O perigo está
em que essas inteligências não floresçam em número suficiente para
proporcionarem um verdadeiro equilíbrio da sociedade.
As maiores limitações da liberdade são constituídas
por várias formas de violência exterior, e muitas vezes os que por elas são
responsáveis pretendem justificar com a defesa de princípios – religiosos,
morais, políticos, culturais – até as
próprias ofensas aos mais incontestáveis direitos da liberdade e da democracia.
Essa violência é tanto mais grave quanto muitas
vezes não só limita a concretização externa das decisões interiores, mas também
acaba por afectar a liberdade interior, quando as pessoas são de tal modo
vilipendiadas que a sua situação material as faz conhecer os limites da
abjecção.
A violência que coarcta a liberdade concretiza-se
de vários modos:
– imposição directa e explícita de pontos de vista
e comportamentos. Os indivíduos são constrangidos a participar em
manifestações, a fazer declarações e a assinar documentos cujo conteúdo está em
oposição com as suas convicções profundas; os que não acatam essas imposições
tornam-se vítimas de múltiplas sanções: multas pecuniárias, sevícias,
mutilações, prisão, sequestro de bens, perda de emprego ou impossibilidade
de a ele aceder, penalizações na avaliação e afastamento ou impossibilidade de
evolução na carreira profissional.
Por vezes – e isso torna-se psicologicamente mais
doloroso – a violência atinge não só a pessoa directamente visada mas também os
seus familiares e parentes, sem excluir as próprias crianças, que se tornam
vítimas de maus-tratos e de descriminações injustificadas.
O receio da indigência material leva muitas pessoas
a ceder e a acatar as imposições dos tiranos. Depois de cair na miséria, para
se libertar da abjecção material que as aflige, acabam por se sujeitar, ainda que,
para cúmulo, suceda com frequência que não consigam recuperar a situação
anterior e continuem a ser vítimas das mesmas senão até de maiores injustiças.
A sua indignidade, porém nunca suplantará a daqueles que, desprovidos de
escrúpulos, são capazes de calcar aos pés todos os princípios, desde que isso
lhes abra as portas às benesses do poder.
Modernamente assistimos a uma nova forma de
violação da liberdade mais subtil, e, por isso mesmo, mais cínica e mais
ignóbil.
A organização do mundo actual faz com que muitas
pessoas e instituições, para sobreviverem e realizarem os seus fins, dependam
dos apoios de entidades que detêm o poder e, com ele, a possibilidade de dispor
dos meios financeiros. Aqueles que timbram em defender a sua independência,
mantendo-se incólumes à corrupção, são postos de lado, enquanto os que abdicam
da sua dignidade são servidos com generosidade à mesa do poder.
Noutros tempos, os redactores de jornais e
revistas, assim como os autores de livros e de outras publicações literárias
eram obrigados a submeter as suas obras à censura oficial, antes de as
facultarem ao público, o que só podiam fazer depois de obterem a aprovação e
de, para isso, sofrer os eventuais e frequentes cortes. Esta situação ainda se
mantém em vários países. Hoje, porém, em certos meios “mais evoluídos”,
praticam-se formas de censura mais cínicas, mas subtis e eficientes. Os jornais
são excluídos da publicação remunerada de avisos e editais e os editores de
livros e revistas e, em geral, de obras não gratas ao stablishment, são pura e simplesmente excluídos dessas benesses e
vêem restringidos os seus meios e as suas possibilidades de acção.
2001/07/25