4. Liberdade e censura

Liberdade e censura

A liberdade é aquele dom interior que nos permite ser sem constrangimento aquilo que realmente somos! A primeira sede da liberdade é o interior do homem: a liberdade propriamente dita, a liberdade por excelência, está dentro de nós.
Uma parte das limitações à verdadeira liberdade reside nos preconceitos, que constituem um emaranhado impuro de liames que abafa a espontaneidade.
As primeiras e mais graves limitações da liberdade são as que se instalam no íntimo do próprio ser humano. Os vícios, os defeitos de formação pessoal, os erros e os preconceitos impedem aquela clareza de horizontes que devia existir no coração do homem, quando está para fazer as opções e tomar as decisões que materializam a sua liberdade.
Infelizmente, o homem, embora tão digno, apresenta-se também como um ser extremamente frágil, de tal modo que muitos factores de ordem externa acabam por condicionar o seu mundo interior.
Se as sociedades antigas eram propícias à radicalização dos preconceitos, no mundo moderno assistimos com insistência ao exercício dos mais variados processos orientados no sentido de condicionar psicologicamente os indivíduos e as comunidades, com as ditas lavagens de cérebro, as campanhas publicitárias, a manipulação das multidões.
Felizmente, ainda há muitas personalidades fortes, animadas por inteligências esclarecidas, que conseguem manter-se independentes na sua capacidade interior de julgarem e disporem de si mesmos. O perigo está em que essas inteligências não floresçam em número suficiente para proporcionarem um verdadeiro equilíbrio da sociedade.

As maiores limitações da liberdade são constituídas por várias formas de violência exterior, e muitas vezes os que por elas são responsáveis pretendem justificar com a defesa de princípios – religiosos, morais, políticos, culturais –  até as próprias ofensas aos mais incontestáveis direitos da liberdade e da democracia.
Essa violência é tanto mais grave quanto muitas vezes não só limita a concretização externa das decisões interiores, mas também acaba por afectar a liberdade interior, quando as pessoas são de tal modo vilipendiadas que a sua situação material as faz conhecer os limites da abjecção.
A violência que coarcta a liberdade concretiza-se de vários modos:
– imposição directa e explícita de pontos de vista e comportamentos. Os indivíduos são constrangidos a participar em manifestações, a fazer declarações e a assinar documentos cujo conteúdo está em oposição com as suas convicções profundas; os que não acatam essas imposições tornam-se vítimas de múltiplas sanções: multas pecuniárias, sevícias, mutilações, prisão, sequestro de bens, perda de emprego ou impossibilidade de a ele aceder, penalizações na avaliação e afastamento ou impossibilidade de evolução na carreira profissional.
Por vezes – e isso torna-se psicologicamente mais doloroso – a violência atinge não só a pessoa directamente visada mas também os seus familiares e parentes, sem excluir as próprias crianças, que se tornam vítimas de maus-tratos e de descriminações injustificadas.
O receio da indigência material leva muitas pessoas a ceder e a acatar as imposições dos tiranos. Depois de cair na miséria, para se libertar da abjecção material que as aflige, acabam por se sujeitar, ainda que, para cúmulo, suceda com frequência que não consigam recuperar a situação anterior e continuem a ser vítimas das mesmas senão até de maiores injustiças. A sua indignidade, porém nunca suplantará a daqueles que, desprovidos de escrúpulos, são capazes de calcar aos pés todos os princípios, desde que isso lhes abra as portas às benesses do poder.

Modernamente assistimos a uma nova forma de violação da liberdade mais subtil, e, por isso mesmo, mais cínica e mais ignóbil.
A organização do mundo actual faz com que muitas pessoas e instituições, para sobreviverem e realizarem os seus fins, dependam dos apoios de entidades que detêm o poder e, com ele, a possibilidade de dispor dos meios financeiros. Aqueles que timbram em defender a sua independência, mantendo-se incólumes à corrupção, são postos de lado, enquanto os que abdicam da sua dignidade são servidos com generosidade à mesa do poder.
Noutros tempos, os redactores de jornais e revistas, assim como os autores de livros e de outras publicações literárias eram obrigados a submeter as suas obras à censura oficial, antes de as facultarem ao público, o que só podiam fazer depois de obterem a aprovação e de, para isso, sofrer os eventuais e frequentes cortes. Esta situação ainda se mantém em vários países. Hoje, porém, em certos meios “mais evoluídos”, praticam-se formas de censura mais cínicas, mas subtis e eficientes. Os jornais são excluídos da publicação remunerada de avisos e editais e os editores de livros e revistas e, em geral, de obras não gratas ao stablishment, são pura e simplesmente excluídos dessas benesses e vêem restringidos os seus meios e as suas possibilidades de acção.
2001/07/25