Limites da democracia
I
A democracia tem sido definida de uma forma
rudimentar, em tempos recentes, como o governo da maioria. Rigorosamente,
porém, acaba por ser o governo de uma minoria, com frequência muito restrita,
que consegue ser eleita por uma maioria muito relativa: a maior das minorias!
O acesso ao poder é muito condicionado.
Dentro de cada grupo, há uma pequena minoria, já instalada, de que depende a aceitação dos
possíveis candidatos a exercer funções de governo. Essa candidatura, salvo em
casos muito estratégicos (de interesse para o mesmo grupo), só pode, aliás, se
apresentada por quem já dele faça parte.
II
Se o princípio que está na base da democracia – a
proporcionalidade – fosse levado até às últimas consequências, não se
registariam algumas anomalias, que, para mal de todos, são frequentes:
1. O governo em minoria, que acontece quando um
grupo obtém maior número de votos que qualquer um dos outros grupos, que no seu
conjunto obtiveram maior número de votos – é a chamada maioria relativa. Este
tipo de governo traz dentro de si um contra-senso, que frequentemente o leva a
abortar, a não ser que se verifique uma de duas situações, também anómalas. O
contra-senso está em que, para ser verdadeiramente democrático, esse governo
deveria cumprir um programa correspondente não às opções de uma minoria (a maioria relativa que o elegeu), mas às
da maioria dos súbditos, distribuídos por várias minorias, cujos programas não
são, no entanto, unívocos e por vezes até se apresentam como total ou
parcialmmente opostos entre si e ao do grupo que governa.
As situações anómalas que impedem um governo deste
tipo de abortar, podem enunciar-se deste modo:
– a minoria predominante faz seu o programa das
maiorias que se lhe opunham, ou pelo menos o de alguma ou de algumas delas;
– a minoria predominante faz um acordo com outra
minoria, em ordem à reelaboração de um programa aceite pelos dois grupos;
– a minoria predominante limita-se a tomar o mínimo
de decisões que possam encarar-se como hostis aos programas de todas ou de uma
parte das outras minorias; não dispondo de um apoio estável, um governo desta
índole está sempre à beira da crise; esta forma de governo, cuja fraqueza é
evidente, pretenderá justificar-se muitas vezes como baseada numa tentativa de
permanente conciliação, através da negociação e do diálogo, que de facto poderá
conduzir à implementação de medidas positivas e concretas, mas acabará por se
limitar a questões muito circunscritas e pontuais e a não corresponder a uma
governação eficaz e coerente;
– idêntica à anterior é a situação de um governo de
minoria predominante que, para funcionar, exerce uma acção premeditada, no
sentido de evitar que as outras minorias se ponham de acordo e levem ao seu
derrube. Mais do que executar um programa, este governo preocupa-se em levar
por diante uma estratégia de sobrevivência, mediante uma série de “golpes”
orientados no sentido de pôr uns contra os outros os grupos da oposição e de
lhes retirar as bases de apoio, com a implementação de medidas demagógicas.
1997-08-13