Onde está a democracia?
A democracia moderna, que assim se diz para a
distinguir da democracia grega, tem sido apresentada como a formas de governo
mais perfeita, ou pelo menos, em termos realistas, como a menos imperfeita ou
menos má, entre todas as formas de governo que se conhecem.
Ora a verdade é que, embora o risco de perversão
seja maior numas do que noutras situações, quase todas as formas de governo em
cujo exercício os detentores do poder respeitarem os princípios basilares que
as informam e se mantiverem dentro das barreiras da justiça e da equidade, se
podem considerar aceitáveis pelo menos em determinadas circunstâncias
históricas.
Por outro lado, é inegável que em todas as formas
de governo se podem gerar e desenvolver os germes da perversão. Existem sempre,
com efeito, muitos factores que podem ser desviados das suas verdadeiras
funções e reencaminhados de acordo com os interesses ou os caprichos dos
intervenientes.
Nas formas de governo não democráticas as
perversões (só) podem ser evitadas ou minimizadas por uma consciência moral
muito forte, em geral apoiada em convicções religiosas profundas; mas se, nesta
situação, o risco de perversão é menor, também, no caso de ela acontecer, as
sequelas se revelarão mais profundas e marcantes, de modo que se tornará mais
difícil superá-las e será mais trabalhoso reparar as feridas que infligiram à
sociedade. As formas extremas da perversão registam-se quando, em vez das
serenas convicções religiosas, os detentores do poder se deixam guiar pelo
fanatismo.
A democracia reúne as condições para ser não uma
forma de governo menos sujeita ao risco das perversões, mas sim aquela onde as
perversões não atingem tanta extensão e gravidade, e, por conseguinte, mais
facilmente se pode encontrar remédio contra as suas sequelas.
1997-08-12
A facilidade com que todos os cidadãos têm acesso
aos órgãos de governo, num regime democrático, e a possibilidade de uma
renovação frequente do elenco dos que exercem as funções da governação, é, por
um lado, adequada a evitar a permanência no poder daqueles que são menos aptos ou
que estão interessados em corromper a democracia em prol dos seus interesses ou
dos seus caprichos, mas, por outro lado, facilita com frequência o acesso dos
mais incompetentes e dos mais perversos, dando lugar ao esbanjamento de
energias, às fases de inércia e aos frequentes episódios de corrupção.
1997-08-13