O “redimensionamento” das freguesias


O momento que ocasionou esta reflexão já foi (embora, em nosso entender, mal) ultrapassado. Para a história, aqui fica o testemunho.


 Estamos perante uma temática que ciclicamente tem saído à ribalta para se mostrar na cena política. Só que desta vez com uma veemência inusitada, aparentemente antecedida por um longo e maduro estudo, cujas conclusões de repente se afirmam como inelutáveis e avassaladoras, impassíveis de qualquer contraditório.

A última vez que o assunto fora agitado remonta aos alvores de 2006, defendendo-se também então uma reforma que se considerava inadiável, embora acabasse por predominar a sensatez, adiando-a para melhores dias.
Agora, em momento de aguda crise económica, o tema volta à ordem do dia. Lamentável é que por vezes seja visto apenas como um apêndice das medidas financeiras destinadas a equilibrar o orçamento do estado, e que, no fundo, se pretenda resolver o problema “com a régua e o esquadro”.
É necessário reflectir sobre as funções das freguesias nos tempos actuais. Não se podem alterar de repente realidades que têm vários séculos.
Em primeiro lugar há que definir as funções que competem à freguesia. Não será que nos últimos tempos se lhe tem atribuído outras, que competiriam aos municípios e ao governo central, enquanto, por vezes, as que lhe competiriam lhe são sonegadas?
As alterações que venham a fazer-se exigem ponderação e tempo de análise e reflexão. Devem apoiar-se num estudo prévio, que contemple um inventário das freguesias com dificuldades em cumprir as funções que lhe competem. Requere-se também um estudo de simulação do que sucederá na hipótese da extinção ou da anexação de uma freguesia.
É demasiado simplista e problemático, como se propunha em 2006, fazer-se depender a sobrevivência de uma freguesia da existência ou não de um número arbitrário de eleitores ou de habitantes – 3000, 1000, 500 – ou da percentagem de habitantes por quilómetro quadrado, como se refere na proposta recente. Trata-se de critérios apriorísticos, que, em muitos casos, se revelarão desajustados. No caso do critério baseado no número de habitantes por metro quadrado, adverte-se que, em determinadas circunstâncias, da sua aplicação resultarão conclusões nitidamente grosseiras, porque uma freguesia de população relativamente concentrada, em cujo termo se inclui uma extensa área de montanha sem habitantes e sem condições de os acolher, em certos casos, nem sequer dependente da administração das autarquias, não se pode comparar com outras freguesias porventura com menor número de habitantes e até menos densamente distribuídos pelo território, mas sem incluírem essas extensas áreas de deserto demográfico.
Além do número de habitantes e da sua concentração, não podem esquecer-se factores como o isolamento, a distância em relação a outros aglomerados habitacionais, a disponibilidade de recursos próprios, etc.
Do mesmo modo que se admite uma diferença de estatuto entre concelhos com pequeno número de freguesias e outros em que esse número é elevado, e o mesmo se diga em relação ao número de habitantes, para tudo se deve encontrar uma solução equilibrada, que pode não ter um figurino único, e deve ser estudada e implantada em ampla consonância com as populações.

     Não queremos terminar este comentário sem fazer duas perguntas:


     1. Porque é que, em vez de talhar à tesoura e coser dentro dos gabinetes esses amontoados de freguesias, se não procede em relação a elas como sucedeu em relação aos concelhos, promovendo a sua associação livre e dando-lhes assim a faculdade de se associarem livremente em agrupamentos ou comunidades de freguesias?


     2. Como ficarão representadas no interior da nova entidade os núcleos populacionais que constituem as actuais freguesias? Será que já está preparada a legislação adequada para definir o modo como funcionarão essas novas entidades? Como se integrarão no conjunto os bens, as necessidades e os interesses de cada uma das actuais freguesias (cemitérios, caminhos, "baldios", etc.)?


    Esperemos que a precipitação não conduza o país a um maior abismo.